Não seria ótimo ter nas suas mãos a fórmula que uma das maiores poliglotas do mundo usou para aprender até 27 idiomas? Nesse post vou contar essa fórmula a você!
Kató Lomb foi uma poliglota húngara, nascida em 1909 que veio a falecer em 2003. Foi tradutora e intérprete em 16 idiomas, atingiu o nível nativo em pelo menos 9 deles e chegou a ser competente em até 27 idiomas.
Lomb é um desses divisores de água da história, um marco, por assim dizer. Até que suas ideias vieram à tona, principalmente com seu famoso livro ?How I Learn Languages?, os idiomas ainda eram vistos por uma ótica escolar.
Legado da idade média, a maioria dos estudantes de idiomas no século XVIII, XIX e até mesmo XX estudavam outros idiomas com a mentalidade de um gramático: aprender estruturas e regras.
Lomb inaugura uma nova visão sobre idiomas, visão pouco divulgada até então. Para ela a gramática nos é natural:
Grammar rules should be second nature to the learner p. 75
Regras gramaticais devem ser naturais ao estudante (tradução livre)
E por isso devemos trazer o que mais amamos, nossos gostos pessoais, para o aprendizado de línguas.
I wonder about those who learn a language for practical reasons rather than for itself. It is boring to know?. p. 68
Fico imaginando aqueles que aprendem idiomas por razões práticas do que para si mesmos. É entediante pensar?
what shall we read? Answer: A text that is of interest to you?interest beats the fiercest enemy: boredom. p. 79
O que devo ler? Resposta: um texto que te interesse? o interesse derrota o mais feroz inimigo: o tédio.
Somente assim, trazendo nossa paixão junto ao aprendizado, conseguiríamos criar um micro-clima, uma atmosfera propícia a superar qualquer dificuldade sem depender de uma abordagem gramatical repleta de decoreba:
A foreign language is a castle. It is advisable to besiege it from all directions: newspapers, radio, movies that are not dubbed, technical or scientific papers, textbooks, and the visitor at your neighbor?s. (p. 160)
Um idioma é um castelo. É recomendável atacá-lo de todas as direções: jornais, radio, filmes sem ser dublado, artigos técnicos e científicos, livros didáticos e de fazer uma visita aos seus vizinhos.
Seria dessa maneira que surgiria uma abordagem mais natural no processo de aprendizado: ser tolerante para o estado de dúvida enquanto aprende de maneira natural; tolerância permitida pelo divertimento, empolgação e paixão trazidas de nossos gostos pessoais para o aprendizado de línguas.
Felizmente Kató Lomb deixou-nos escrito como é que devemos aprender um idioma usando sua técnica.
Há 4 regras fundamentais que devemos seguir para usar a técnica dela e ter sucesso aprendendo idiomas:
Quero mostrar a você, de modo breve, como funciona cada uma destas etapas e porque elas são tão importante.
Mais adiante, neste post, estarei atualizando essas regras para o século XXI, ou seja, usando os recursos, tecnologia e conhecimentos que temos hoje, podemos atualizar e melhorar cada uma destas etapas para termos um aprendizado mais eficiente.
A técnica do dicionário de vocabulário é a primeira coisa que você deve fazer ao começar aprender outro idioma:
In the beginning, I use this dictionary as my textbook. I learn the rules of reading from it. (p. 147)
No começo, uso um dicionário como meu livro didático. Aprendo as regras apenas por lê-lo.
Seus passos são muito simples:
Deste modo, um dicionário serve para abrir o outro: você apenas lê um dicionário com a ajuda de outro.
Recentemente eu fiz um vídeo mostrando exatamente como fazer isso, você pode assistí-lo pelo link abaixo:
A técnica é muito simples e vai ajudar você a ganhar um ótimo vocabulário no início.
Ela vai demandar, entretanto, que você seja tolerante com o estado de dúvida pois muitas definições ficarão ambíguas no início, também vai demandar tolerância para com o estado de dúvida pois muitas definições serão de difícil interpretação.
Após ter ganhado um certo vocabulário, você deve começar o seu processo de leitura, sejam histórias curtas ou literatura, deve começar lendo algo que realmente deseja ler.
Para ela a leitura é a etapa central do aprendizado:
My advice to learners can thus be expressed in one word: read! p. 64
Meu conselho aos estudantes pode ser expressado em apenas uma palavra: Leiam!
Você deve começar lendo aquilo que mais achou interessante e que seja algo pelo menos levemente compreensível.
Se você se perguntar: tá, mas o que devo ler?
A resposta imediata é: aquilo que te interessa!
Se você gosta de games, leia sobre isso, fantasia? Medicina? Direito? Biologia? Teorias da conspiração? Carros? Música? Leia aquilo que você ama!
what shall we read? Answer: A text that is of interest to you?interest beats the fiercest enemy: boredom. p. 79
O que devo ler? Resposta: um texto que te interesse? o interesse derrota o mais feroz inimigo: o tédio.
Não há pressa nesta etapa pois você lerá o mesmo livro várias vezes:
?I start on the comprehensible novel immediately. To go from incomprehension to half-understanding to complete understanding is an exciting and inspiring journey? ? p. 149
Eu começo pelo livro mais compreensível imediatamente. É uma excitante e inspiradora jornada passar de uma completa incompreensão, a uma incompreensão media até alcançar a compreensão total.
Em sua primeira leitura, você deve apenas anotar nas margens algumas frases que foi capaz de entender pelo contexto e que são boas frases para usar em um contexto de conversa do dia-a-dia.
Por exemplo, lê-se a primeira passagem do livro Il Gattopardo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa:
? La recita quotidiana del Rosario era finita. Durante mezz'ora la voce pacata del Principe aveva ricordato i Misteri Dolorosi ?
Veja que nesta passagem temos apenas uma ?fórmula? pronta que poderíamos usar em uma conversa informal: ?Durante mezz?ora?.
Você não deve buscar palavras nesta primeira leitura, deve apenas ler e desvendar a história pelo contexto e por aquilo que você já sabe do idioma.
A maior parte do tempo será de incompreensão; e como é de se esperar, você deve ser tolerante ao estado de dúvida.
Base your progress on the known, not the unknown. p. 69
Paute seu progresso naquilo que sabe, não no desconhecido
Após uma leitura de ?descobrimento?, você deve começar uma segunda, terceira e possível quarta leitura deste livro.
Você irá de uma incompreensão, passando por uma compreensão média, até chegar ao ápice da compreensão do livro.
Da segunda leitura em diante, você pode procurar palavras no dicionário sem problema algum, mas não muito, o contexto ainda é seu maior aliado.
In your browsing, do not get obsessed with words you don?t know or structures you don?t understand. Build comprehension on what you already know. Do not automatically reach for the dictionary if you encounter a word or two that you don?t understand. If the expression is important, it will reappear and explain itself; if it is not so important, it is no big loss to gloss over it. p. 162
Em suas buscas, não fique obcecado por palavras e estruturas que você ainda não sabe. Construa uma compreensão naquilo que você já sabe. Não comece buscar a toda hora no dicionário caso você encontre uma ou duas palavras que não entende. Se a expressão é importante, ela reaparecerá e explicará a si própria; caso não for importante, não perderá nada por deixá-la passar.
Lembre-se que você está criando um micro-clima nesse idioma, está usando algo que você gosta de ler, não queremos arruiná-lo com consultas constantes ao dicionário.
It is much more of a problem if the book becomes flavorless in your hands due to interruptions p. 85
Será um problema muito maior se o livro tornar-se desinteressante dado inúmeras interrupções.
Infelizmente eu acabei caindo nesta armadilha há um tempo atrás.
Eu peguei o incrível livro ?Lord Jim? de Joseph Conrad. O livro me encantou pela proposta: falar sobre um marinheiro que deseja a todo tempo provar que não é covarde, mas os fantasmas de seu passado não o deixam esquecer dos erros cometidos.
Eu queria tanto, mas tanto entender tudo que ele escreveu naquele livro, que procurava uma a uma as palavras que não conhecia.
Eu acho que ficava umas 3 horas em duas páginas.
No começo tudo fluía bem, mas o livro começou a ficar maçante.
As horas que eu passava eram mais checando o dicionário que de fato lendo.
Eu até consegui terminar o livro, diminuindo a frequência nas consultas, mas perdi o interesse pelo autor. Isso me levou a deixar de lado um outro livro que queria muito ler: Nostromo.
Meses depois peguei-o para ler e segui o conselho de Lomb: entender pelo contexto, procurar apenas as essenciais.
Foi o que eu fiz e minha leitura fluiu mais.
As recordações da leitura de ?Lord Jim? até hoje me machucam, penso quanto sofri lendo aquele livro; quase nem lembro da história.
Mas quando lembro de ?Nostromo?, as paisagens, o conflito, parece que sinto até o calor daquelas praias. Foi uma experiência muito diferente.
Evite checar palavras a todo instante, aproveite a leitura!
Você deve ter notado que até agora apenas aprendemos palavras e lemos, não há nada sobre o processo de fala.
É um erro pensar que de lermos ou ouvirmos muito um idioma, uma hora começamos a falar. Erro esse que até ela mesma reconhece ser um equívoco de muitos:
It is another delusion that in order to learn good pronunciation, it is enough to hear it. (p. 90-91)
É uma outra ilusão pensar que para aprende ruma boa pronúncia, seria suficiente apenas ouvir.
A boa pronúncia vem através da prática: ?good pronunciation also requires practicing? (idem)
O melhor modo de começar a praticar, segundo Kató Lomb, seria começar a falar sozinho (a).
why I am such an enthusiastic fan of monologues in foreign languages? If I talk with myself, I am relieved that my partner will not be indignant at long hesitations.
Porque eu sou uma grande entusiasta de monólogos em outros idiomas? se eu falo comigo mesmo, fico tranquila por saber que meu parceiro não ficará furioso dado longas hesitações.
Falando sozinho você começa a praticar sua capacidade de articulação de ideias, conectivos, hesitações, pronúncia e tantas outras variáveis envolvidas no processo de comunicação.
Embora creia que essas quatro regras são excelentes, elas foram formuladas em outra época.
Hoje não temos tanto tempo assim para ler várias e várias vezes o mesmo livro; temos a tecnologia que nos ajuda a acelerar determinadas ações; mais riqueza de material e novas oportunidades para praticar a fala.
Diante deste novo cenário, podemos atualizar essas quatro regras para que você possa tirar o máximo proveito delas.
Ao invés de ler um dicionário com o outro, recomendo que seu primeiro passo ao aprender um idioma seja aprender as 2000 palavras mais frequentes.
Eu falei sobre isso neste post aqui se você quiser saber mais sobre porque aprender as palavras mais frequentes é importante.
No gráfico abaixo você pode ver que uma pessoa que sabe aproximadamente 950 a 1000 palavras frequentes do inglês, chega a ter uma compreensão média de mais de 88% de absolutamente tudo que é falado na série Friends, série que simula situações do dia a dia.

Então meu primeiro passo, ao aprender um novo idioma seria: começar aprendendo as palavras mais frequentes.
Eu fiz uma live mostrando como você pode aprendê-las se você não gosta de aprender vocabulário usando o Anki.
Você pode ver o vídeo abaixo.
Ao invés de ler várias vezes o mesmo livro, que tal ler vários livros do mesmo autor?
Eu acho isso incrivelmente mais interessante.
Eu tenho o costume de ler literatura por autores: escolho um autor e vou lendo vários livros dele.
Foi assim com Conrad, Unamuno, Shakespeare, Jane Austen, Machado de Assis e tantos outros!
O que eu recomendo que você faça é o usar a técnica do capítulo de ouro. Ela funciona desta maneira:
Para mim essa técnica é melhor por diversas razões: desde ter uma variedade de leitura maior e assim assim aprender vocabulário de uma maneira mais descontraída.
Lembra que minha primeira dica foi ?aprender as mais frequentes??
Ora, sabendo as mais frequentes você terá uma boa compreensão da obra já.
Agora, nós somos particulares até mesmo no jeito de escrever.
Quando um autor começa sua escrita, ele usará vocabulários que são frequentes para o contexto dele; palavras que ele gosta de usar. Um exemplo é o adjetivo ?candida?, tanto usado por Machado de Assis. Um adjetivo não tão comum, mas muitíssimo repetido nos livros do autor!
Agora, há mais uma particularidade no livro para além do vocabulário do autor: o contexto.
Quando lia Lord Jim, deparei-me com dezenas de termos náuticos em inglês que não fazia ideia do que significavam.
Isto é, um livro é uma mescla de vocabulário frequente, somado às particularidades da história e do autor.
A foto abaixo ilustra melhor o que estou tentando dizer.
Se aprendemos as mais frequentes antes, a técnica do capítulo de ouro abrirá para nós essas duas últimas particularidades do livro.
Hoje em dia não faz sentido, pelo menos para mim, usar um dicionário de papel.
De verdade mesmo, doei todos os meus, e tinha alguns bem carinhos em!
Alguns aplicativos de leitura permitem você buscar palavras em questão de segundos. Alguns populares são:
Tenho utilizado o Migaku Reader faz algum tempo já e tenho gostado muito.
Você precisa apenas passar o mouse sobre a palavra para que um dicionário popup apareça com a tradução ou definições.
Realmente recomendo que você teste esse, clique aqui para fazer um teste de 30 dias grátis.
Hoje não faz sentido ficar folhando páginas em um dicionário em busca de uma palavra encontrada em milésimos de segundos com a internet.
Em Mandarim, por exemplo, eu teria que buscar palavras no dicionário a depender dos seus radicais, somados à quantidade de ?strokes? (aqueles risquinhos) adicionados ao radical.
Isso demoraria mais que construir a Arca de Noé toda em marmore!
Lendo textos, eu faço isso rapidinho com a Migaku:

Ao invés de só falar sozinho, que tal copiar um nativo para soar mais como ele?
Creio que a técnica de shadowing do modelo seja uma das mais poderosas para treinar a fala em um idioma.
O que você precisa fazer é seguir esses passos:
Isso fará você imitar o acento, o sotaque, os trejeitos, maneirismos? de alguém que é nativo daquele idioma.
Nós seres humanos temos essa capacidade de copiar quem gostamos. Basta eleger um modelo e praticar shadowing com ele.
Este site aqui pode ajudar você a encontrar modelos de vários idiomas no YouTube. Você pode, para além do idioma, filtrar também por categorias de gosto pessoal como ?esportes?, por exemplo.
Eu fiz um vídeo sobre essa técnica:
A fórmula de Kató Lomb se resume a trazer suas paixões para o ambiente de aprendizado e com isso criar um micro-clima de aprendizado que é capaz de sustentar qualquer dificuldade e incompreensão. Há quatro regras para passarmos pelo aprendizado usando sua técnica: o dicionário de vocabulário; ler várias vezes o mesmo livro, evitar checar o dicionário a todo tempo e praticar monólogos silenciosos sempre que possível. Entretanto, todos esses pontos podem ser melhorados hoje no século XXI.