Não seria incrível poder saber tudinho que um grande poliglota fez para que você possa imitá-lo?
Nesse post eu quero te mostrar as 8 lições que um grande poliglota me ensinou e que você pode copiar e colar para ter sucesso construindo sua fluência.
Imagine que você não tenha tecnologia, conhecimento sobre idiomas ou algum próximo para se inspirar e começar a aprender novas línguas.
Imagine que você não seja capaz de usar trens, carros ou metrôs e tudo parece incrivelmente distante. Tudo que você tem é seu arredor imediato: as pessoas ao seu redor, campos, árvores e gramados.
Como você aprenderia outros idiomas nesse contexto? Nada de tecnologia, contatos com outros, tudo longe e difícil?
Rousseau mesmo explicou como: imitando, praticando, formando habilidades e criando hábitos.
Há 8 dicas que podemos tomar do próprio Rousseau que nos ajudarão a construir uma fluência produtiva.
Você verá que, para Rousseau, o que é mais importante no aprendizado de idiomas é como você faz uso do contexto que está inserido.
Você não precisa de nada de última geração, não precisa viajar para fora do país ou contratar as melhores escolas e professores.
Você só precisa dar atenção àquilo que é mais importante.
Na verdade, Rousseau parece adiantar o que veríamos na ciência moderna, séculos depois:
Learning consists of developing responses to environmental stimuli. If these responses receive positive reinforcement, they will be repeated (Van Patten, Williams p. 19)
Se para Rousseau, no século XVIII, cheio de limitações, conseguiu aprender tantos idiomas? tenho certeza que hoje, com o que você já tem, está preparado(a) para começar sua jornada rumo à fluência em qualquer idioma.
Você já deve ter ouvido falar desse cara, o Rousseau.
Ele quem escreveu o Contrato Social, Discursos, Émile e tantos outros que talvez você tenha sido obrigado a ler para passar no vestibular.
É, talvez você odeie ele, mas a vida dele vai te surpreender ? para o lado negativo e positivo, eu acho.
Rousseau Nasceu em 1712 no interior da Genebra, uma região predominantemente católica e rural.
Sua mãe morreu logo no seu nascimento e coube ao pai criá-lo.
Até os 15 anos ele não foi para escola ou teve qualquer tutoria, aprendeu apenas com livros que herdou de sua mãe.
Visitando Turin, chegou a aprender Italiano quando novo.
Quando tinha por volta de 15 anos, foi introduzido à Baronesa Madame de Warens, que praticamente o adotou como pupilo e deu-lhe uma educação formal.
Crescendo em idade e formação, Rousseau foi acumulando idiomas: Francês, Italiano, Grego, Latim, Inglês e Alemão.
Casou-se em 1745, teve 5 filhos e abandonou todos eles.
Foi um dos pregadores do dito iluminismo, deve obras caçadas e teve que fugir para a Inglaterra, salvo pelo também famoso David Hume.
Duas obras foram as que mais o deixaram famoso: ?Émile? e ?Du contrat social?. O primeiro, um manual para o desenvolvimento da criança até sua formação em cidadão, criada de modo a emancipar o homem de uma sociedade egoísta. Assim a educação doméstica resultaria em uma educação civil e, assim, talvez as contradições da sociedade seriam removidas.
Sim, o cara que abandonou 5 filhos escreveu um manual de como criar uma criança.
Grande ironia hahaha.
Voltando: quando volta à França em 1762 Rousseau já sofre de crises de ansiedade, síndrome de perseguição e acaba caindo no esquecimento, loucura e pobreza.
Rousseau Morre em 1778 sozinho e esquecido? mas não sem deixar pistas.
Como assim pistas?
Pistas de como ele conseguiu, em um ambiente tão conturbado e cheio de dificuldades, aprender tantos idiomas.
Podemos extrair 8 lições preciosas de Rousseau que nos ajudarão a construir nossa fluência nos dias de hoje.
Se você quer construir uma fala fluente, que não soe estranha quando um nativo ouve, e que pareça tão confortável para você falar, como é falar o português, então comece a imitar.
Rousseau mostra que temos o instinto natural de imitar os outros e recomenda aos pais e tutores falarem corretamente diante de crianças.
?Parlez toujours correctement devant eux, faites qu'ils ne se plaisent avec personne autant qu'avec vous, et soyez sûrs qu'insensiblement leur langage s'épurera? (Émile, Livre I, p. 39)
?Fale sempre corretamente diante deles [das crianças], faça que eles não gostem de outro tanto como gostam de ti, e tenha certeza que incoscientemente a línguagem deles melhorará? (Tradução livre)
O melhor modo de colocar isso em prática, sendo um estudante de uma língua estrangeira, é praticar a técnica de shadowing.
Eu falo mais sobre essa técnica e como utilizá-la neste vídeo abaixo:
Para aprender nosso primeiro idioma fizemos isso.
Tal como a ciência também demonstra, para que aprendamos a corretamente pronunciar as palavras, devemos imitar constantemente modelos de pronúncias adequados (Van Patten, Williams p. 19)
Basta seguir os passos abaixo e você vai conseguir aplicar a primeira lição de Rousseau ainda hoje:
Pronto, você estará imitando um modelo correto de pronúncia: Um nativo.
Faça isso durante algum tempo e logo você notará a diferença.
Embora Rousseau confiava em livros para seu aprendizado, ele via claramente que até mesmo crianças já têm um enorme senso de gramática:
D'abord ils ont, pour ainsi dire, une grammaire de leur âge, dont la syntaxe a des règles plus générales que la nôtre (Émile, Livre I, p. 39)
Antes de tudo, por assim dizer, as crianças tem uma certa gramática em sua terna idade, cuja sintaxe e as regras são obviamente mais gerais que a nossa (Tradução livre)
O próprio linguista Steven Pinker mostra que deveríamos ser capazes de explicar como sabemos mais dos idiomas que falamos, do que seria possível ter aprendido através de livros ou professores.
Há, na visão desses caras ? e tantos outros ? um ?senso natural? no nosso cérebro. Nós temos regras gramaticais já instaladas em nós.
É exatamente por isso que Rousseau não recomenda que você comece estudar idiomas por gramática, ou ficar fazendo listas intermináveis de exercícios.
A melhor coisa que você e eu temos a fazer é: continuar expondo-se ao idioma e imitando os modelos certos. Com o tempo os pequenos erros de formação de frase e deslizes gramaticais vão se concertar sozinhos!
?C'est une pédanterie insupportable et un soin des plus superflus de s'attacher a corriger dans les enfants toutes ces petites fautes contre l'usage, desquelles ils ne manquent jamais de se corriger d'eux-mêmes avec le temps.? (Émile, Livre I, p.39)
?Seria um pedantismo insuportável e de um desejo para além de supérfluo dar importância e corrigir crianças em todos os pequenos erros que elas cometem, que, aliás, jamais cessarão de ser corrigidos por eles mesmos com o passar do tempo? (Tradução livre)
Foi assim comigo e com várias outras pessoas, inclusive com Rousseau.
Você ainda pode estudar gramática se quiser, lógico que pode.
O conselho de Rousseau é apenas este: Não comece por ela, vá para a gramática depois de ter sujado as mãos com aquele idioma.
Falando nisso, eu falo mais sobre como criar o hábito de sempre tar exposto aos idiomas, não importa quão corrido seja sua rotina, nestes vídeos:
Sim sim, tudo é natural e parece uma maravilha divina.
Entretanto não fique tão animadinho(a) assim não, Rousseau manda você praticar.
Saber pronunciar as palavras, articular elas da maneira certa, pegar a entonação correta, exige atenção e exercício:
les modifications de la langue et du palais, qui font articuler, exigent de l'attention, de l'exercice? ? Origines des langues, Chapitre IV.
?As modificações da linguagem e do falar, desiderato de articulação, exigem atenção e exercício. (Tradução livre)
Por isso o que você pode fazer é saber um pouquinho sobre Alfabeto Fonético Internacional (IPA). Eu fiz uma Live no canal há um tempo sobre esse assunto. Você pode ver uma partezinha do vídeo abaixo:
Esse vídeo fez parte de uma live bem completa que está disponível aos membros da comunidade, se você ainda não é membro, clique aqui e entre na lista de espera.
Saber algo sobre umas pegadinhas de pronúncia não faz mal a ninguém.
É exatamente por isso que diariamente eu dou dicas de pronúncia lá no meu instagram.
Se você ainda não me segue, para um pouquinho de ler o post e manda aquele follow no @eliezerpiano para ti não perder as dicas de pronúncia que eu mando por lá.
Você já viu alguém aprender a nadar no seco?
É, nadar na areia. Tem como?
Não tem como você aprender a nadar sem se molhar; não tem como você aprender falar se não fala!
Embora imitar os modelos certos e saber um pouquinho de IPA são ótimos pontos de início, você vai sim precisar falar com as outras pessoas.
É falando com outros que você vai ser ouvido. Você vai ser respondido, vai ouvir, formular outra frase, e repetir o padrão.
Stephen Krashen mesmo fala que a comunicação é fundamental para desenvolver a fala: quanto mais falamos, mais temos um certo feedback à nossa fala e melhor podemos desenvolvê-la.
Como vários estudos já mostraram, saber utilizar o feedback é uma das mais poderosas ferramentas de aprendizado acelerado que você pode usar.
Você não precisa se jogar no mar para saber nadar, vá de boia primeiro!
Agende uma aula no iTalki por exemplo, fale com as paredes, fale com seus amigos, fale com algum parente que sabe o idioma. Comece devagarinho, mas comece.
Rousseau mesmo conta a história de duas crianças: Uma, filho de camponês que deve se comunicar na família, outra, filha de nobres que só aprende por livros e tutores. A primeira, diz o filósofo, desenvolve muito melhor a fala pois está constantemente usando ela, a segunda, não usa muito a linguagem e o professor muitas vezes funciona como tradutor.
Enseignez premièrement aux enfants à parler aux hommes, ils sauront bien parler aux femmes quand il faudra. (Émile, Livre I, p. 41)
?Primeiramente ensine os pequenos a falar com as outras pessoas, ele saberão falar com outras pessoas quando for tempo? (Tradução muito livre hahaha)
Está tudo conectado na mentalidade de Rousseau:
Learners should be exposed to a large number of target examples of language; they should imitate these models repeatedly and receive appropriate feedback (Van Patten, Williams p. 19)
?Alunos devem estar expostos e inúmeros exemplos no idioma que aprendem; devem imitar esses modelos de modo constante e receber um feedback apropriado. (tradução livre)
Rousseau mesmo diz que o excesso de correção é prejudicial ao aprendizado.
Deixa fluir que tudo andará melhor:
l'extrême attention qu'on donne à tout ce qu'ils disent les dispense de bien articuler ; et comme ils daignent à peine ouvrir la bouche, plusieurs d'entre eux en conservent toute leur vie un vice de prononciation et un parler confus qui les rend presque inintelligibles (Émile, Livre I, p. 39)
Uma atenção extrema dada ao que eles dizem os impedem de melhor articular; e como eles mal ousam abrir a boca, muitos dentre eles conservarão para toda uma vida um vício de pronúncia e uma fala confusa que os tornarão pouco inteligíveis (tradução livre).
Viu só? Confia!
Eu tenho certeza que aprender um, dois ou três idiomas é, de certa forma, ver o mundo de uma duas ou três maneiras diferentes.
É exatamente isso que o próprio Rousseau diz nessa passagem:
les langues, en changeant les signes, modifient aussi les idées qu'ils représentent. Les têtes se forment sur les langages, les pensées prennent la teinte des idiomes. La raison seule est commune, l'esprit en chaque langue a sa forme particulière (Émile, Livre I, p. 73)
Eu analisei frase a frase isso que ele falou neste vídeo:
Sabe por que isso é importante?
Nós aprendemos mais quando nos apaixonamos pelo que estamos aprendendo. Essa é a chamada hipótese do filtro afetivo: se gostamos, aprendemos mais.
Não apenas aprendemos mais, mas o grande dramaturgo Stanislavsky mostra que quando nos apaixonamos por algo, memorizamos melhor também:
"emotion memory. Just as your visual memory can reconstruct an inner image of some forgotten thing?". ? Stanislavsky, An Actor Prepares, p.182
?A memória emocional, assim como a memória visual, pode reconstruir uma imagem interior, algo quase esquecido?? (Tradução livre)
Quando você entende quão incrível pode ser aprender vários idiomas e ver o mundo de tantos modos diferente, então você começa a colecionar essas visões e se encantar cada dia mais pelo aprendizado de novos idiomas.
Exatamente isso, pouco se fala sobre construção de pronúncia, sotaque e entonação no Brasil.
Mas para Rousseau ? e para mim também ? o sotaque é a alma do discurso, o que dá o maior sabor no idioma:
L'accent est l'âme du discours, il lui donne le sentiment et la vérité. L'accent ment moins que la parole (Émile, Livre I, p. 40)
?A pronúncia é a alma do discurso, ela o confere sentimento e veracidade. A pronúncia mente menos que a própria palavra.? (Tradução livre)
Veja que aprender a falar outro idioma é uma coisa.
Você pode conhecer as palavras e se comunicar sem problema, mas se não souber construir a pronúncia e principalmente o sotaque adequado, ainda vai parecer que você não domina o idioma.
Confesso que até um tempo atrás eu negligenciei isso no meu inglês.
Notei que quando falava espanhol, italiano ou francês, recebia elogios.
Até mesmo no Chinês.
Quando abria a boca para falar inglês, os nativos já me acusavam: ?ah, mas você é brasileiro?
Foi aí então que eu decidi treinar e melhorar minha pronúncia no inglês.
Eu ainda vou fazer uma live no canal sobre isso.
Rousseau dá uma última lição em idiomas: usar a recitação.
Sabe, antigamente era normal você ter que decorar passagens inteiras de livros clássicos para então recitá-las em alta voz, como diz Marrou.
Então é normal vermos uma dica que parece bem arcaica, mas antes de sair tacando ela aqui no blog, eu decidi testar.
Eu fiz o seguinte:
Qual foi o resultado?
Malandro, eu aprendi umas citações tão cabeludas e bonitas que quando soltei na frente de um nativo, o povo só faltou me pintar no teto da Capela Sistina hahaha.
Inclusive eu jogo uma dessas citações em um vídeo, para uma nativa, e ela fica de boca aberta.
O vídeo é esse abaixo:
A técnica funciona bem, ajuda você a treinar a pronúncia e aprender algum vocabulário também.
Eu certamente vou continuar usando ela e colhendo esses mini artefatos, essas bonitas citações e frases nos livros que leio.
Vez ou outra eu me pego em uma situação que posso usar e, como dizem os franceses, voilà.
Nós aprendemos a falar principalmente por imitação e exposição; desde pequenos entendemos minimamente a estrutura do idioma e basta treinar para conseguir refiná-lo, passar pelos erros e abrir todo um mundo novo de experiência e sentimentos que até então nos estavam fechados.